quarta-feira, 31 de dezembro de 2008


MARIA, MULHER QUE SABE OUVIR...
José da Cruz

Dia primeiro de ano é solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Sobre a maternidade divinal de Maria, sempre existiu um acirrado debate teológico onde o principal questionamento seria exatamente o fato de que, é impossível uma mulher comum, igual a tantas outras do seu tempo, gerar um Filho que é de Deus e que no mistério da Trindade Santa, é o próprio Deus. Como é que pode o Criador de tudo, submeter-se a uma concepção e nascimento, idêntico ao de todos os mortais. Há quem ache que isso é uma invenção humana e que a grandeza de Maria não chega a tanto, e que ela não poderia ser mãe, Daquele que pré existia, antes que todas as coisas fossem criadas. A Tradição e o Magistério da Igreja, fundamentadas e iluminadas pela Escritura, constitui-se para nós católicos, as fontes de Revelação Divina, mesmo porque, antes da Sagrada Escritura a Palavra já existia e era transmitida oralmente. Por isso, o Dogma do Theotokos (Mãe de Deus), proclamado no Concílio de Éfeso no século V da Era Cristã, oficializou a Verdade que já estava no coração dos cristãos, se cremos na natureza Divina de Jesus, Maria é mãe de Deus e nem poderia ser diferente, um Dogma não pode excluir o outro
Refletindo o evangelho desse domingo, que diz respeito a esta solenidade, é até bonito de se ver a atitude de Maria de Nazaré, diante do mistério. Ela é a Primeira Cristã, aquela que se deixou mover por essa ação Divina, para que fosse tudo feito segundo a sua santa vontade. Os pastores são os grandes anunciadores da Boa Nova e Maria de Nazaré, parece ficar quieta em seu cantinho, cumprindo com fidelidade o que as escrituras haviam anunciado, sem fazer muito alardes, sem querer ser a protagonista.
A jovem Mãe não contestou o anúncio dos pastores, mas parece que Lucas a inclui entre os ouvintes que ficaram admirados com o que eles anunciaram. Havia entre Maria e os pastores uma enorme distância no campo da moral religiosa, ela pertencia ao povo escolhido que provinha de Abraão. Os Israelitas formavam a Nação Santa, a raça escolhida, o povo da aliança. Já os pastores não tinham uma ficha muito limpa e recomendável, talvez em nossas comunidades eles pudessem quando muito, ficarem à porta, esperando pela misericórdia de Deus, pois não era “Flor que se cheirasse”, tidos como brigões, violentos e mentirosos, eram proibidos de entrarem no templo e jamais seriam ouvidos em um tribunal porque suas palavras de nada valiam por não serem confiáveis.
Eis o primeiro sinal de salvação e libertação que Jesus traz: agora, a palavra desses homens rudes e desacreditados, causa admiração até em Maria, a predileta do Pai! O texto não diz que um pequeno grupo de pessoas deixou-se tocar pelo anúncio dos pastores, mas que TODOS os que os ouviam, ficavam admirados. Ficamos admirados quando não temos explicação plausível para o que vemos e ouvimos, diante de certos acontecimentos que não têm o carimbo da lógica humana, que não têm a chancela da razão. É por isso que os arrogantes e prepotentes não gostam de ouvir falar em Religião, porque essa relação com Deus, na mística da Fé, é algo que foge do controle do homem, Deus não precisa da aprovação do ser humano, para fazer o seu Reino acontecer em meio a humanidade, Deus não precisa consultar os poderosos da humanidade e nem de qualquer denominação religiosa, para realizar a obra da Salvação, ele precisa apenas da nossa colaboração. No contexto histórico e religioso daquele tempo, os porta- vozes oficiais de Deus, eram os Sumos sacerdotes, os Doutores da Lei, os Escribas, gente estudada, que conhecia a escritura e os profetas, que seguiam a Lei de Moisés e eram portanto, os teólogos autorizados a falarem sobre o Deus de Israel.
Jamais eles aceitariam que a salvação trazida pelo grande Messias, fosse acontecer daquele jeito, com a colaboração de uma menina pobre do Vilarejo de Nazaré, e com o primeiro anúncio sendo feito por uns pastores desqualificados e impuros! Quanto menor aparece Maria, mais que sua grandeza é exaltada, de geração a geração. Nesse evangelho ela ocupa um papel secundário, aquela que poderia ensinar no templo e nas sinagogas, aquela que era a única em toda humanidade, a saber o segredo de Deus, aquela que era a portadora do germe Divino que viria a salvar a toda a humanidade, na humilde manjedoura prefere ouvir e admirar-se do anúncio de uns simples pastores. Não é sem razão que Maria é chamada a Virgem do Silêncio, Aquela que sabe ouvir... Diante de Deus, se não tivermos essa atitude de escuta, não avançaremos nenhum centímetro na caminhada de Fé.
Depois que os pastores se foram, Maria não pediu explicações a Deus, solicitando uma descodificação da mensagem que seus ouvidos ouviram e que em sua razão, não entendera muito bem. Maria nunca quis saber tudo e conhecer todas as verdades de Deus. Lucas acentua uma das mais bonitas expressões que denotam a atitude de um crente sincero: “Conservava todas essas palavras, meditando-as no seu coração” Eis a verdadeira Fé, que não consiste em buscar na palavra de Deus, apenas aquilo que me convém, que sustenta a minha ideologia ou princípio religioso, e que eu entendo, mas é a aceitação do mistério por inteiro, para se meditar, isso é, ir descobrindo aos poucos o seu sentido, nos acontecimentos da vida, mesmo naqueles que parecem inexpressivos e sem nenhum valor. Por isso Maria é de fato a Mãe de Deus, a gotinha que aceita mergulhar na plenitude, desaparecendo na imensidão do oceano.
Maria deslumbrou-se com a grandeza e a magnificência de Deus, e aceitou com toda humildade, colocar a sua pequenez a serviço do seu Projeto de vida. Que em todos os dias deste novo ano, possamos como cristãos fazer o mesmo: somente assim, a sonhada e desejada Paz ,poderá ser construída, por homens e mulheres de Fé, que crêem no Reino de Justiça e Verdade, trazido por Jesus, que nasceu do ventre de Maria . Santa Mãe de Deus, rogai por todos nós!

José da Cruz é Diácono Permanente
Na Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim
Email – cruzsm@uol.com.br

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